Poemapenas
Poema apenas registro
da poesia viva pelas ruas
pelas noites
pelos corpos.
Poema apenas retrato
em alma inteira
do meu corpo três-por-quatro.
Poema apenas clarão
na noite densa
turva
longa e sem mão.
Poema apenas.
Como um gato.
O que me
intriga neste poema é justamente este sem
mão, pois escrevi sem mãe, quando pela primeira vez
escrevi o poema à mão. Na hora de passar a limpo, datilografar, escrevi sem mão. No primeiro livro em que o
poema foi publicado, na hora da revisão, percebi que estava lá sem mão. Paciência, então. Resolvi não
mais brigar com a teimosia do texto. E aí está ele, vencedor, exigindo uma mão
no lugar de uma mãe.
Há um tempo
atrás, veio do divã a voz de um jovem que quer falar da mãe, mas que fala mão.
E quando lhe mostro o lapso, lembrando ao mesmo tempo do poema, a voz me
diz que também troca a mãe pela mão quando escreve no computador.
E quando uma amiga e colega, falando do Pequeno Hans, também faz a mesma troca, me convenço de
que alguma coisa transita entre a mãe e a mão que deve ir além dos nossos
lapsos de língua.
Penso então
na mão da mãe de Hans circulando em volta do pênis dele, circulando e ao mesmo tempo apontando o lugar do desejo. É
uma mão, uma representação parcial dessa mãe que está ali também apontando um
objeto parcial do seu desejo. E agora eu me ponho no lugar de Hans nesse
momento de uma certa espera desse toque, mas ao mesmo tempo o medo que esse
toque se realize. Essa coisa que se chama angústia, mas que já traz, de uma
certa forma, na própria Angst
freudiana, a possibilidade de se traduzir em medo.
E depois
vem a repetição solitária do toque. O que se chama de masturbação, visto do
lugar do menino, é uma forma de reviver na solidão do quarto esse momento de
encontro com a mãe através da sua própria mão. É um gesto narcísico, mas nesse
gozo narcísico/auto-erótico já existe a
possibilidade do outro, a representação desse outro, dessa mãe que vai e vem no
movimento desta mão.
Recorro
agora a um texto de Serge Leclaire a respeito da letra, tal como Lacan aponta, mas concebendo-a como uma marca feita
pelos dedos da mãe no corpo do infante. Várias letras, esparsamente inscritas,
que só depois se juntariam numa possibilidade de sentido. Alguma coisa, então,
é inscrita no corpo da criança por essa mão. Um manu scrito.
Um manu scrito perdido, indecifrável,
todo ele enigma, onde se inscreve o desejo.
* A partir de
uma intervenção no Seminário do Instituto de Formação da Sociedade Psicanalítica da Paraíba.
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