segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Da mãe à mão.*

Poemapenas

Poema apenas registro
da poesia viva pelas ruas
pelas noites
pelos corpos.

Poema apenas retrato
em alma inteira
do meu corpo três-por-quatro.

Poema apenas clarão
na noite densa
turva
longa e sem mão.

Poema apenas.
Como um gato.

                                                                                              Ronaldo Monte

            O que me intriga neste poema é justamente este sem mão, pois escrevi  sem mãe, quando pela primeira vez escrevi o poema à mão. Na hora de passar a limpo, datilografar, escrevi sem mão. No primeiro livro em que o poema foi publicado, na hora da revisão, percebi que estava lá sem mão. Paciência, então. Resolvi não mais brigar com a teimosia do texto. E aí está ele, vencedor, exigindo uma mão no lugar de uma mãe.
            Há um tempo atrás, veio do divã a voz de um jovem que quer falar da mãe, mas que fala mão.  E quando lhe mostro o lapso, lembrando ao mesmo tempo do poema, a voz me diz que também troca a mãe pela mão quando escreve no computador.
            E quando uma amiga e colega, falando do Pequeno Hans, também faz a mesma troca, me convenço de que alguma coisa transita entre a mãe e a mão que deve ir além dos nossos lapsos de língua.
            Penso então na mão da mãe de Hans circulando em volta do pênis dele, circulando e ao  mesmo tempo apontando o lugar do desejo. É uma mão, uma representação parcial dessa mãe que está ali também apontando um objeto parcial do seu desejo. E agora eu me ponho no lugar de Hans nesse momento de uma certa espera desse toque, mas ao mesmo tempo o medo que esse toque se realize. Essa coisa que se chama angústia, mas que já traz, de uma certa forma, na própria Angst freudiana, a possibilidade de se traduzir em medo.
            E depois vem a repetição solitária do toque. O que se chama de masturbação, visto do lugar do menino, é uma forma de reviver na solidão do quarto esse momento de encontro com a mãe através da sua própria mão. É um gesto narcísico, mas nesse gozo narcísico/auto-erótico  já existe a possibilidade do outro, a representação desse outro, dessa mãe que vai e vem no movimento desta mão.
            Recorro agora a um texto de Serge Leclaire a respeito da letra, tal como Lacan aponta, mas concebendo-a como uma marca feita pelos dedos da mãe no corpo do infante. Várias letras, esparsamente inscritas, que só depois se juntariam numa possibilidade de sentido. Alguma coisa, então, é inscrita no corpo da criança por essa mão. Um manuscrito. Um manuscrito perdido, indecifrável, todo ele enigma, onde se inscreve o desejo.



* A partir de uma intervenção no Seminário do Instituto de Formação da Sociedade Psicanalítica da Paraíba.

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