"Mas Carmela não
tinha a ciência das outras moças italianas daqui. Pudera, as outras saíam todo santo dia,
frequentavam as oficinas de costura, as mais humildes estavam nos
cortumes, na fiação, que acontecia? Se acostumavam com a vida. Não tinha homem que não lhes falasse uma
graça ou no mínimo olhasse para elas daquele jeito que ensinava as coisas. Ficavam sabendo logo de tudo e até segredavam
imoralidades umas pras outras, nos olhos."
Que
ciência é essa que falta a Carmela? Que
coisas são essas que os olhos dos homens ensinam? Que mágica é essa, em que um simples olhar faz as moças saberem de
tudo? E onde estavam guardados esses segredos agora trocados pelos olhos das
moças?
Vamos
por partes. Pelo menos três partes.
Num
primeiro momento se supõe que, igualmente a Carmela, as outras moças também se
encontrem num estado de inocência e desamparo, carentes de uma ciência que as
torne aptas a lidar com a mundanidade do trabalho e das ruas.
Depois
vem o momento de aprender a ciência, de se acostumar com a vida. E as moças não aprendem as graças que os
homens falam. Elas aprendem coisas que
os homens olham. Este olhar divide as águas. Antes dele, via-se inocência. Depois dele, o que se vê? Vê-se olhares autônomos de moças que trocam
segredos. Segredos "ïmorais".
No
terceiro momento, as moças já estão acostumadas com a vida. Se acostumar com a vida é aprender a conviver
com esse olhar e com o que ele ensina.
Mais ainda: é fazer seu esse olhar e com ele trocar "sabedorias"
com outros olhos.
Perguntemos
agora como se opera a mágica que faz com
que os homens ensinem coisas às moças apenas com seus olhos. Invoquemos Mesmer se quisermos supor que
algum fluido sutil transporte a sabedoria dos olhos dos homens aos olhos das moças. Mas os iluministas já nos ensinaram que tal
fluido não existe. Nada passa de um olho
para o outro além do próprio olhar.